quarta-feira, 29 de julho de 2015

Conto #2: Seu querido super-herói




“Olá, minha filha.
Hoje é uma data muito especial, não é? Oito anos é muita coisa, quase uma mocinha! Você pensou que eu tinha esquecido? Oras, como esqueceria o dia mais feliz da minha vida? O dia em que te segurei em meus braços ela primeira vez, dei-lhe um nome e deixei cair sobre sua pele as primeiras lágrimas que deixei cair desde que fiquei adulto.
Sim, ser adulto é bem chato. Somos sérios e inexpressivos, por isso queria ser como uma criança de novo. Aproveite bem esse tempo, viu? Brinque, sorria, chore, descubra, estude.
Estou para fazer uma viagem para o lugar mais lindo do universo. Todo mundo fala muito bem de lá, gostam tanto que não querem voltar nunca mais. Sei que um dia você virá também e eu mesmo irei te buscar quando você estiver bem crescidinha.
Não se preocupe, eu estarei sempre cuidando de você, mesmo que de longe. Afinal eu sou ou não o seu super-herói? Super-heróis não descansam nunca, eles estão sempre a postos para ajudar quem for preciso mesmo que estejam do outro lado do mundo. Você pode falar comigo quando quiser, basta fechar os olhos e imaginar. Usarei meus poderes para conversar, tudo bem?
Ah, não se esquece de cuidar da mamãe. Poxa, ela ficou tão preocupada com essa viagem! Mas ela deveria saber que era inevitável, às vezes na vida temos negócios muito sérios para resolver e que só tentamos adiar, mas esse não dava mais. Como eu disse, essa vida de adulto é muito chato.
Mamãe precisa de você. Cuidar de um castelo é bem difícil, não é, minha princesa? O Rufus também precisa de ajuda, ele vai crescer e ficar bem grande! Se desculpe com ele por eu ter pisado no seu rabo uma dezena de vezes!
Ou o papel está acabando mais rápido do que pensei ou minha letra ficou grande e tremida demais. É, acho que foi a segunda opção.
Então, minha filhinha, desejo de todo o meu coração que você seja a pessoa mais feliz do mundo. Lembre-se de ser sempre a pessoa adorável que você sempre foi, desde o dia em que abriu os olhos pela primeira vez. Saiba que o papai te ama e sempre te amará, até mesmo de onde ele estiver. Adeus, minha princesa.

Seu querido super-herói."


As segundas lágrimas que o super-herói deixara cair desde que ficara adulto mancharam o cantinho do papel. Carinhosamente, e com certa dificuldade, ele depositou o papel sobre uma mesinha. Com esse movimento o lápis deslizou pela cama e caiu no chão. O som da madeira chocando-se com o assoalho foi o último naquele quarto. O monitor cardíaco acabara de parar com seus apitos frequentes. O quarto ficou silencioso. Tudo ficou silencioso, menos o amor impresso em uma folha de papel na mesinha.


Até a próxima postagem!

sábado, 25 de julho de 2015

Conto #1: O Sorriso de Rose

Nesse 25 de Julho, dia do escritor, inicio as postagens neste blog com o primeiro conto que deixei devidamente registrado.
Resolvi mantê-lo inalterado, imaculado e inocente como minha escrita original no ano em que o escrevi, em 2013. Portanto, ignore a imaturidade.






Era mais uma manhã de Sol avermelhado. Quando meu despertador soa toda manhã é o sinal que faz pulsar meu coração. Ergo meu corpo na cama, sentado com visão para a janela. Meus binóculos estão na cômoda; tomo-os as minhas mãos. Seis horas da manhã é o horário em que a vizinha do apartamento em frente ao meu chega depois de sua jornada de trabalho.
Eu tenho 12 anos, mas já sei o que se passa. Sei que ela é uma prostituta. Comprovei isso graças ao intenso número de homens que entram e saem do apartamento dela. Ah, e eles gritam o nome dela, foi assim que descobri que ela se chama Rose. Mas eu não ligo para esses homens. Ela sempre aparece reluzente nesse horário, geralmente chutando um novo homem bêbado para fora de seu quarto depois de uma noite agitada.
A observo já faz dois meses e sempre a vi da mesma forma. Olhos pesados, como se nunca dormisse (e imagino porque não dorme), maquiagem borrada, um lindo cabelo dourado e bagunçado, e o que mais me intriga: ela nunca sorri. Seus lábios com batom intensamente vermelho, manchado e escorrendo pelo queixo, nunca se curvam no que eu imagino ser o sorriso mais lindo do mundo. Meu sonho é ver o sorriso de Rose pelo menos uma vez na minha vida.
Mas neste dia tudo estava diferente. Rose apareceu na janela, mas não havia botado um homem para fora. Ela estava enrolando copos de vidro em jornais e colocando-os delicadamente em caixas de papelão. Olhei para a calçada de seu apartamento e vi um carro bege caindo aos pedaços parado. O capô estava aberto e dentro dele repousavam duas maletas surradas, um amontoado de roupas saltando para fora delas e uma caixa de papelão amassada sobre o peso de uma das maletas.
Rose desceu as escadas com pressa, pois em segundos após sumir da janela ela surgira saindo pela porta da frente do prédio, colocando a caixa de papelão no chão. Jogou uma maleta para o canto do porta-malas e pressionou as roupas soltas contra ela. Ajeitou um pequeno lugar e colocou a caixa com cuidado.
Mil coisas passaram pela minha cabeça. Sim, mudança. Jamais veria Rose de novo? Eu precisava fazer algo. Saltei da cama e senti meus joelhos estralarem. Se Rose fossem embora eu jamais veria seu sorriso e eu mesmo teria uma vida triste para sempre. Abri a porta do meu quarto e corri. Nunca fui nenhum atleta, e acho que aquilo poderia me matar, mas desci as escadas na velocidade da luz. Estava tão desajeitado quanto um pinguim, sentia cada pedaço da minha perna se aquecer, como se eu estivesse deitado em uma chapa.
Pensei logo em comprar uma lembrança para ela. Meti a mão no meu bolso, mas lembrei que estava de pijama e só tirei alguns fiapos e o que parecia ser uma bombinha para asma.
Então avistei um canteiro de flores na entrada do meu prédio. Nem vi direito, mas puxei a primeira flor que achei. Que feliz coincidência, era uma rosa. Corria muito rápido e apertava aquela flor como se minha vida dependesse disso. Por um instante senti os espinhos furando minha mão, mas nem me importei.
Vi que Rose estava entrando em seu carro e dando a partida. Foi então que caí de cara no capô. Minha mão estralou no metal e fez cair um punhado de ferrugem. Rose se assustou e desligou o carro. Agora eu estava frente a frente com ela, e nunca tinha feito isso antes. Estava tão cansado e emocionado que nenhuma palavra saia da minha boca. O que consegui fazer foi erguer meu braço e lhe entregar a rosa, depois sorri.
Pensei que iria desmaiar ali mesmo naquele momento. Vi Rose sair do carro e pegar a flor, cheirá-la e então esboçar o mais lindo sorriso que já havia visto. Venceria qualquer modelo famosa neste quesito. Então tudo veio a minha cabeça. Meus pés descalços doíam por caminhar no asfalto quente, minhas pernas estavam me matando com a dor mais excruciante que já havia sentido, minha mão sangrava, meus olhos se apertavam, mas eu só conseguia ver aquele sorriso. O sorriso de Rose. Mais brilhante que o Sol avermelhado. Acho que desmaiei naquela hora.
Foi quando me lembrei de dois meses atrás, do acidente em que um carro me deixou quase paraplégico. Fiquei sozinho no meu quarto, e meu pai me deu binóculos para observar a rua, até arrastou minha cama para isso. Lembro-me dos médicos falando que minha recuperação seria muito lenta, ou quase impossível. E eu tenho asma também.
Depois que desmaiei no carro de Rose eu só acordei horas depois no hospital. Os médicos falaram que foi uma recuperação milagrosa, e que algo realmente importante me teria feito correr daquele jeito. Foi quando me recordei de Rose. E chorei.
Nunca mais vi Rose, nem o seu sorriso, desde aquela cansativa manhã de Sol avermelhado.

Sabe quando as coisas parecem escuras, tristes, mas apenas um sorriso é capaz de iluminar tudo? Aquilo que transforma o seu dia para melhor, anima os momentos que sozinho e naturalmente seriam muito chatos. Valorize esse sorriso. E faça de tudo para que ele nunca mais desapareça.

Até a próxima postagem!